Um Resgate Histórico do Direito à
Saúde como Responsabilidade do
Estado
O atual sistema de saúde brasileiro vive um momento
de intensos avanços, mas ainda de muitos
desafios a serem superados. Podemos descrever
como avanços o que se refere à oferta de diversos
programas, projetos e políticas que têm apresentado
resultados inegáveis e exitosos para a população
brasileira, que incluem a evolução das equipes do
Programa Saúde da Família, do Programa Nacional
de Imunizações, do Sistema Nacional de Transplantes,
sendo o segundo país do mundo em número de
transplantes, do Programa de Controle de HIV/AIDS,
reconhecido internacionalmente pelo seu progresso
no atendimento às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS,
entre outros (Brasil, 2006b). Como
desafios, podemos enumerar aqueles referentes aos
problemas de implementação, implantação, financiamento
e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS),
fato que, para ser compreendido, merece uma análise
mais detalhada, fazendo-se necessário um resgate
do processo de construção do sistema de saúde no
Brasil a partir da construção do SUS.
A criação do Sistema Único de Saúde foi o maior
movimento de inclusão social já visto na História
do Brasil e representou, em termos constitucionais,
uma afirmação política de compromisso do Estado
brasileiro para com os direitos dos seus cidadãos
(Brasil, 2007c). A partir da Conferência Internacional
sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada
em Alma-Ata (Cazaquistão, antiga URSS), no ano de
1978, ficou estabelecido num plano mundial, através
do documento final deste evento, a Declaração
de Alma-Ata, a participação efetiva dos Estados na
saúde do seu povo através da promoção de políticas
de saúde que visassem o bem-estar físico, mental e
social como direitos fundamentais dos seus habitantes,
enfatizando-se principalmente os cuidados
primários. Evidenciou-se também que a saúde é a
mais importante meta social mundial e que, para a
sua realização, faz-se necessária a integração com
os diversos setores sociais e econômicos (Ventura,
2003). Paralelamente a esse acontecimento histórico
da saúde mundial, o Brasil passava por um
momento de clamor coletivo por mudanças políticas voltadas para a redemocratização do país, que
se intensificaram na década de 1980 por meio de
manifestações populares pela eleição direta de um
presidente civil, e, no campo da saúde, voltado para
uma atenção abrangente, democrática e igualitária,
tendo como principais atores sociais os intelectuais,
as lideranças políticas, os profissionais da saúde, os
movimentos estudantis universitários, os movimentos
sindicais, entre outros, o que culminou com o esgotamento
do modelo médico assistencial privatista
vigente (Medeiros Júnior e Roncalli, 2004).
Nos anos seguintes, a população brasileira continuou
imersa em diversos conflitos sociais, com
profundas desigualdades, alto índice de desemprego,
grande contingente de miseráveis, enfrentamento
de filas infindáveis na busca da assistência à saúde,
culminando com uma grande insatisfação popular.
Nesse contexto, ocorreu em 1986 a 8ª Conferência
Nacional de Saúde, que contou com uma intensa participação
popular de mais de 4000 pessoas, dentre
as quais 1000 eram delegados com direito a voz e a
voto (Brasil, 1986).
Essa Conferência se tornou um dos grandes
marcos da saúde no Brasil, podendo ser considerada
como o marco inicial da Reforma Sanitária brasileira.
Trouxe à tona temas como: a necessidade de
ampliação do conceito de saúde e de um novo Sistema
Nacional de Saúde, a separação de “Saúde” da
“Previdência” e a orientação da política de financiamento
para o setor saúde (Brasil, 1986). Seu relatório
final ficou consolidado como um instrumento que
veio influenciar as responsabilidades do Estado em
assegurar o direito à saúde para toda a população,
garantindo condições de acesso e qualidade dos
serviços, servindo de subsídio para a elaboração da
nova Constituição de Saúde do Brasil (Brasil, 1988),
além de estabelecer como principal objetivo a ser
alcançado um sistema de saúde com atribuições
e competências para os níveis Federal, Estadual e
Municipal, o que culminou na construção do Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) como
uma necessidade imediata e de transformação progressiva
para o Sistema Único de Saúde (SUS).
A Constituição Federal e as
Leis Orgânicas da Saúde: um
entendimento dessa relação
Conforme descrito, a Constituição Federal de 1988
consagrou a saúde como “direito de todos e dever
do Estado, garantida mediante políticas sociais e
econômicas que visam à redução do risco de doença e
de outros agravos e possibilitando o acesso universal
e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção
e recuperação” (Brasil, 1988). Essa definição
conceitual adquire sua versão prática com a instituição
formal do SUS, quando no Capítulo II, artigo
198 da mesma Constituição, é relatado que as ações
e os serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada, hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as diretrizes:
descentralização, atendimento integral e participa-
ção da comunidade. Assim, estava criado o Sistema
Único de Saúde, resultado de uma política social e
universalista, que tem a Constituição Federal e as
Leis nº 8.080 e nº 8.142, ambas de 1990, como sua
base jurídica, constitucional e infraconstitucional
(Brasil, 2007a).
A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 – Lei
Orgânica da Saúde –, dispõe acerca das condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde,
organização e funcionamento dos serviços correspondentes,
mostrando de forma clara os objetivos do
SUS, suas competências e atribuições, assim como
as funções da União, dos Estados e dos Municípios
(Brasil, 1990a). A Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de
1990, dispõe sobre a participação da comunidade
na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais
de recursos financeiros na área da
saúde (Brasil, 1990b). Tais leis consolidam o papel
do município como o principal executor das ações
de saúde, caracterizando ampliação do processo de
descentralização que já havia sido exposto desde
a 8ª Conferência de Saúde e que significava um
avanço e contraposição ao modelo ditatorial vigente
naquele momento.
O Sistema Único de Saúde e suas
Diretrizes: definindo competências
da União, dos Estados e dos
Municípios
No nível federal, a centralização da saúde tratava
com distanciamento as questões mais particulares
de cada localidade, existindo um único eixo norteador
para as ações de saúde em todo o país indistintamente.
No entanto, a descentralização, entendida
como forma de transferência de recursos e delegação
de funções entre os níveis de governo (Arretche,
2002), entra em vigor com o movimento de reforma
e estabelece que os serviços de saúde podem ser
melhor coordenados e atender de modo mais preciso
aos anseios e necessidades dos usuários através da
municipalização.
Uma das diretrizes do SUS, a descentralização
tem sua aplicação através do financiamento a cargo
das três esferas de governo e a execução de serviços
por conta dos municípios. Esse processo de descentralização
no Brasil envolve a transferência de servi-
ços, responsabilidades, poder e recursos da esfera federal
para a municipal. Ao longo da década de 1990,
foi verificada uma grande aceitação dos municípios
pela municipalização, a qual pode ser explicada pelo
interesse em aumentar a renda orçamentária de
suas receitas, o que é perceptível quando, no ano de
2000, 99% dos municípios estavam habilitados no
Sistema Único de Saúde (Arretche, 2002).
Alguns municípios brasileiros dispõem de capital
para o setor saúde advindo quase que exclusivamente
através desse repasse, não apresentando condições
de prover sua área territorial com todas as ações e
serviços necessários para a atenção integral de sua
população. Por isso, a regionalização torna-se necessária
para que as pessoas possam buscar soluções
aos seus problemas de saúde nos municípios-polo,
mesmo que distantes do seu local de moradia.
Através da descentralização, busca-se envolver
todas as esferas do governo para que, juntas, funcionem
no sentido de promover melhorias na situação
de vida e de saúde da população. Entretanto,
um problema ocorre quando o repasse financeiro
para estados e municípios não é administrado
com responsabilidade e grande parte das finanças não é aplicada no setor saúde, recursos estes que
poderiam ser investidos em contratação e capacitação
de profissionais, materiais e tecnologias de
saúde. Por isso, ao se propor a descentralização,
seria conveniente discorrer sobre a capacitação da
gestão, o que inclui a correta aplicação de recursos
financeiros no setor saúde, para que avanços reais
não sejam mera utopia.
A esse respeito, as Normas Operacionais Básicas
(NOB) 91, 93 e 96 e as Normas Operacionais de
Assistência à Saúde (NOAS) tiveram um importante
papel no processo de descentralização, na medida
em que definiram competências, responsabilidades
e condições necessárias para que estados e municí-
pios pudessem assumir as condições de gestão no
SUS (Viana e col., 2002).
Conforme afirmam Viana e colaboradores (2002),
as análises sobre o processo recente de descentralização
apontam, na área social, e, em específico, na
saúde, a tendência das variáveis microinstitucionais
(poderes locais) terem respondido de forma mais direta
pelo (in)sucesso de determinadas políticas, evidenciando
um grau de autonomia da gestão local.
Outra diretriz do SUS refere-se ao atendimento
integral, com prioridade para as atividades preventivas.
A integralidade corresponde a um dos grandes
desafios do SUS e diz respeito a tratar cada pessoa
como um ser indivisível e integrante de uma comunidade;
às ações de promoção, proteção e recuperação
da saúde que formam um todo indivisível que não
pode ser compartimentado; e às unidades prestadoras
de serviço, com seus diversos níveis de atenção à
saúde, Básica, Secundária e Terciária, que formam
uma unidade configurando um sistema capaz de
prestar assistência integral (Brasil, 1990c).
A integração das ações remete à continuidade
do atendimento e ao cuidado dos usuários em seus
diversos níveis, o que deve ser regulado palas unidades
prestadoras de serviço. No entanto, essa integra-
ção por diversas vezes e maneiras não ocorre, seja
por descompromisso daqueles que trabalham, por
dificuldades impostas pelas unidades e, ainda, por
uma série de razões que deixam a população sem a
devida atenção e continuidade de tratamento e sem
conhecimento dos seus direitos.
A garantia dos direitos constitui-se na democracia
participativa em que os cidadãos influenciam na definição e execução das políticas de saúde
(Vasconcelos e Pasche, 2006). Essa participação da
comunidade na gestão do SUS, por meio do controle
social, amparada pela Lei 8.142 de 1990 (Brasil,
1990b), diz respeito à representação dos usuários
no processo de participação do fazer e pensar saúde,
seja nas Unidades de Saúde, nos Conselhos ou nas
Conferências de Saúde que ocorrem oportunamente
nas três esferas de governo.
O Sistema Único de Saúde, como responsável
por ações de promoção, prevenção e recuperação de
saúde, apresenta propostas legislativas completas
para um sistema de saúde nacional. Porém, num
país com dimensões territoriais continentais como
o Brasil, que enfrenta uma série de desafios sociais,
econômicos, políticos, com inúmeras desigualdades,
sua efetivação torna-se de difícil realização. São
diversos os problemas a enfrentar, a começar pela
situação de vida dos cidadãos. De acordo com o conceito
ampliado de saúde da Organização Mundial de
Saúde, “saúde é um estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não somente a ausência de
doença”, envolvendo questões como emprego, lazer,
educação, moradia, saneamento, entre outras (WHO,
1946). Muito embora esse conceito seja tomado como
mera utopia, pois algum grau de doença é compatível
com o estado de saúde, é imprescindível considerar
a participação dos determinantes socioeconômicos
no processo saúde-doença. Desse modo, é mister
uma integração entre o setor saúde com diversos
outros para se alcançar o estado de saúde de fato
e de direito.
Limitações e Desafios a Enfrentar na
Consolidação do SUS
Pode-se dizer que o SUS enfrenta uma problematização
dicotômica entre o que está escrito e o que é
realizado. A descrença do povo brasileiro num sistema
de saúde para todos leva milhões de pessoas
a procurar por serviços, planos ou seguradoras de
saúde privados, pagando, por conseguinte, abusivos
valores, especialmente para a população de faixa
etária mais avançada que, em função do aumento
da expectativa de vida e dos agravos da terceira
idade, é a que mais necessita. Esse fato sustenta-se
na perspectiva de que um dos temas com maiores demandas recebidas pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) consiste no aumento da mensalidade
de operadoras e planos de saúde (Brasil, 2007b).
Porém, o sistema de saúde suplementar é importante
num país com desigualdades sociais acentuadas,
como o Brasil, onde existe uma grande concentra-
ção de renda, tornando-se necessária a utilização
do sistema privado por aqueles que possam, o qual
tem estabelecido maiores parcerias com o SUS, em
caráter complementar de ações, devido à insufici-
ência na disponibilidade e oferta de determinados
serviços públicos. Essa participação do setor privado
no SUS é mais pronunciada na atenção hospitalar
e na oferta de serviços especializados de alto custo
e densidade tecnológica, que o sistema público não
pôde alcançar devido à insuficiência de investimentos
(Vasconcelos e Pasche, 2006).
A complexidade do SUS, as dificuldades locorregionais,
a fragmentação das políticas e programas
de saúde, a qualificação da gestão e do controle
social, a organização de uma rede regionalizada e
hierarquizada de ações e serviços de saúde têm se
constituído em desafios permanentes na consolida-
ção do Sistema Único de Saúde.
A dificuldade dos gestores para promover a
integração entre estados, municípios e as redes
assistenciais estatais com os serviços de abrangência
nacional tem levado a problemas no acesso aos
serviços e ao comprometimento da universalidade
e integralidade (Vasconcelos, 2005). Assim, diversos
usuários não usufruem do direito universal à saúde. A existência de gestores mais preocupados com
campanhas políticas eleitorais do que com a saúde
dos seus cidadãos leva a falhas graves no sistema e
o mais prejudicado com isso é o próprio povo. Nesse
sentido, a melhoria na gestão reflete-se, consequentemente,
num melhor aporte financeiro do setor, com
um equânime repasse de recursos, melhor utilização
e aplicação desse investimento, maior remuneração
salarial para os profissionais da saúde, com o possí-
vel estabelecimento de vínculos, hoje ainda bastante
precarizados, gerando desmotivação e desestímulo
entre os servidores.
Não obstante, a precarização do trabalho desagrada
os profissionais da rede que, por diversas
razões, não recebem salários justos, não têm vínculos
empregatícios nem direitos trabalhistas. Essa situação profissional pode culminar na realização de
um trabalho sem compromisso com a comunidade,
com a ausência de vínculos profissionais-usuários
tão preconizados pela Estratégia Saúde da Família
(ESF), gerando uma relação fantasiosa entre empregador/empregado,
do tipo “você faz de conta que me
paga e eu faço de conta que trabalho”.
A Estratégia Saúde da Família como reestruturante
da Atenção Básica responde por este nível de
atenção no SUS e pelo encaminhamento dos atendimentos
que exijam média e alta complexidade
– sistema de referência – para os níveis de atenção
Secundária e Terciária. Em diversos municípios
brasileiros, a ESF não funciona de forma integral
e equitativa, o que acontece por diversos motivos,
dentre os quais podemos destacar: a contratação de
profissionais sem perfil para esse nível de atenção;
a precarização do trabalho ou, ainda, a ineficiente
administração de gestores que induzem os profissionais
a realizarem ações meramente curativas,
visando atender o maior número de pessoas para que
isso seja mostrado à sociedade como uma atuação
da política local, tendo em vista as campanhas eleitorais.
Tais ações ainda são muito valorizadas pela
população em geral que sempre “recebeu” a saúde na
sua maneira assistencial-curativista, e que, portanto,
ainda não percebe o verdadeiro sentido da saúde
como um bem-estar biopsicossocial garantido a partir
de ações de prevenção e promoção de saúde.
Nessa perspectiva, a formação dos profissionais
da saúde compõe o conjunto das atividades que
precisam ser continuamente revistas, minimizando
situações em que o profissional não tenha perfil
para o trabalho coletivo, integrado, interdisciplinar,
entre outros, necessário para o SUS que queremos
construir. Segundo Amâncio Filho (2004), é indispensável
construir um processo educacional que
articule a formação profissional com as necessidades
e demandas da sociedade, como estratégia para
o desenvolvimento econômico, social e cultural. Por
conseguinte, essa articulação deve ocorrer desde o
momento da graduação ou da formação técnica, até
momentos posteriores à inclusão dos profissionais
no serviço, através de estratégias de educação permanentes.
Atualmente, algumas Universidades vivenciam
o momento de mudanças curriculares nos Cursos da Saúde, mudanças essas na maioria dos casos
estreitamente relacionadas com o SUS. Aliado a
isso, o Ministério da Saúde está investindo em caráter
nacional na educação permanente, até mesmo
através da estratégia da Educação à Distância, na
perspectiva de minimizar o fosso existente entre a
academia e os serviços, vencer limitações na busca
de conhecimentos complementares que auxiliem o
desempenho de funções, especialmente quando se
trata de gestão (Costa, 2007).
Além da gestão, é necessária a qualificação do
controle social, envolvendo as múltiplas ações que
as forças sociais desenvolvem para influenciar a
formulação, execução, fiscalização e avaliação das
políticas públicas e dos serviços no campo da saúde
(Gamarra Júnior, 2006). Nesse sentido, Gamarra Jú-
nior (2006) expõe como desafios a serem superados
sobre o controle social os problemas de formação
dos conselheiros, a dificuldade dos cidadãos para
conseguir acesso às informações do sistema, a falta
de cumprimento das deliberações dos conselhos por
parte dos gestores, o desconhecimento por parte da
grande massa da população dos seus direitos como
controladores do SUS, entre outros. Dessa forma,
fundamental se faz a qualificação dos conselhos de
saúde, ampliando-os em locais onde já existam e implantando-os
em locais onde ainda não ocorrem.
Essas e outras limitações que o SUS enfrenta
merecem e precisam ser do conhecimento de todos
para que se busquem alternativas e sólidas
resoluções, como sugere Campos (2007) através de
um movimento em defesa de políticas sociais e de
distribuição de renda, da apresentação do SUS para
a sociedade como uma reforma social significativa
com impactos sobre o bem-estar e a proteção social
e do seu desempenho concreto, capaz de melhorar as
condições sanitárias e de saúde das pessoas. Esse se
configura no maior desafio com relação ao SUS.
As mudanças pelas quais o SUS está sendo conduzido
representam potenciais desafios aos gestores
em todas as esferas de governo. O estabelecimento
do Pacto pela Saúde, a Regionalização solidária e
cooperativa, a Política Nacional de Humanização,
entre outras, constituem-se ações que buscam a
superação dos principais entraves do sistema.
No ano de 2006, foi estabelecido o Pacto pela
Saúde, que introduz um sentido de gestão pública por resultados e de responsabilização sanitária,
aprofundando a descentralização para estados e
municípios, através de um acordo interfederativo
articulado em três dimensões: o Pacto em Defesa do
SUS, que representa um movimento social em defesa
do SUS; o Pacto pela Vida, que reforça o movimento
da gestão pública por resultados, com prioridades
para a saúde do idoso, a redução da mortalidade infantil
e materna, o controle das doenças emergentes
ou endemias, a redução das vítimas por câncer de
colo de útero e de mama, a promoção da saúde e o
fortalecimento da Atenção Primária; e o Pacto de
Gestão que estabelece responsabilidades mais claras
para cada ente federado, com regionalização integrada
das ações e serviços de saúde (Brasil, 2007a,
Brasil, 2006b). O Pacto pela Saúde representa um
compromisso público com perspectiva de superar
as dificuldades enfrentadas pelo SUS dando ênfase
às necessidades de saúde da população. Constituise
num conjunto de reformas institucionais do SUS
pactuado entre as três esferas de gestão (União,
Estados e Municípios) com o objetivo de promover
inovações nos processos e instrumentos de gestão,
visando alcançar maior eficiência e qualidade das
respostas do Sistema Único de Saúde.
As propostas de descentralização e regionalização
vêm sendo experimentadas no Brasil desde
a Constituição Federal de 1988, com atribuição da
autonomia dos três entes federados. Entretanto, os
entraves na aplicabilidade dessas diretrizes nortearam
para a necessidade do estabelecimento de
mecanismos e instrumentos de coordenação e cooperação
que favoreçam as ações intergovernamentais
no setor saúde. A gestão descentralizada da saúde
ainda enfrenta o desafio de encontrar mecanismos
que superem a fragmentação das estruturas municipais
organizadas de modo muitas vezes estanque,
induzindo iniquidades na qualidade e no acesso aos
serviços, fato este que compromete a legitimidade
do sistema (Brasil, 2006a).
A operacionalização dessas diretrizes caminha,
na atualidade, para a concretização do Plano Diretor
de Regionalização (PDR), o qual deve traçar o desenho
final do processo de pactuação entre os gestores,
identificando e reconhecendo as Regiões de Saúde,
desencadeando ações de construção e reconstrução,
visando potencializar as ações de saúde em âmbito regional (Brasil, 2006a). Consiste numa ação que
vem sendo trabalhada pelas Secretarias Estaduais
de Saúde, as quais enfrentam alguns entraves na
implementação em virtude da magnitude envolvida
no processo de regionalização, como a articulação
intermunicipal, as pactuações entre municípios e
Estados, o repasse financeiro, as formas de acesso
aos serviços pelos usuários e os processos de gestão
locorregionais.
Com relação à Política Nacional de Humanização
da Atenção e Gestão no Sistema Único de Saúde, esta
vem sendo entendida como um caminho favorável à
superação de desafios na saúde, através da amplia-
ção do acesso com qualidade aos serviços e bens de
saúde, da corresponsabilização entre trabalhadores,
gestores e usuários nos processos de gestão e aten-
ção, do apoio à construção de redes cooperativas, solidárias
e comprometidas com a produção de saúde
e com a produção de sujeitos (Brasil, 2008).
Entende-se, portanto, o SUS como uma política
viva que se encontra em pleno curso de mudança
e construção voltadas para a efetivação da saúde
da população brasileira por meio dos princípios da
universalidade, integralidade e equidade, e para o
enfrentamento dos desafios vivenciados ao longo
de sua trajetória de 20 anos.
À Guisa de Conclusões
O Sistema Único de Saúde representa avanços e
conquistas na saúde de todos os brasileiros e, comemorando
seus 20 anos de existência, conseguiu
enfrentar muitas barreiras, o que resultou, sobretudo,
no direito da população brasileira de contar com
um serviço de atenção à saúde. Sendo um sistema de
saúde que está em construção, passa por inúmeras
mudanças para efetivação dos seus ideários, tendo
como pressupostos a promoção, proteção e recuperação
da saúde.
O SUS está consolidado no nosso país, mas enfrenta
desafios constantemente, dentre os quais,
a qualificação da gestão e do controle social, o
fortalecimento e a qualificação da Atenção Básica
como estratégia organizadora das redes de cuidado
em saúde, as dificuldades no acesso às ações e
serviços de saúde, a fragmentação das políticas e
programas de saúde, a organização de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços
de saúde, o reconhecimento da autonomia dos entes
federados, entre outros. Esses dilemas conjunturais
desafiam os gestores e precisam ser assumidos como
responsabilidades para a concretização do SUS que
queremos.
Ao longo desse tempo, vimos que não é fácil tornar
práticos os seus princípios de universalidade,
integralidade e equidade. Vislumbra-se, assim, para
o enfrentamento dos desafios, a articulação entre os
atores envolvidos, gestores, servidores e usuários,
com o desejo de fazer o melhor para a população
brasileira, cabendo a todos os comprometidos trabalharem
em prol do êxito do SUS, a fim de que as
políticas públicas sejam bem aplicadas e possam
constituir meios que promovam a qualidade de vida
das pessoas.
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Iris do Céu Clara Costa
Cirurgiã-Dentista. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação
em Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande
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600, Natal, RN, Brasil.
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Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.3, p.509-517, 2010
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